Wednesday, March 15, 2006

Crise

Ela levantou cedo e foi até a janela para ver como estava o tempo. Abriu a janela e constatou que fazia sol e que deveria estar um calor danado do lado de fora, mas não foi por isso que voltou a se deitar. Ainda com o quarto todo fechado acendeu um cigarro, foi até a sala e ligou o som. Estendia a mão para bater a cinza e voltava a tragar sem grande entusiasmo, somente pela obrigação de fumar de manhã. Fixava um ponto na parede pensando no que tinha para fazer e ficou irritada ao descobrir que não havia nada. Era sábado, o sol estava muito forte, a sua conta bancária tinha o suficiente, mas não ideal. E também, nada para fazer. Tinha vinte e nove anos, um carro uma casa – e, ainda assim, nada para fazer. Talvez os amigos começariam a ligar em breve, chamando para programas não tão variados quanto na sua cidade natal, porém, variados. Mas o tédio... o tédio.... o tédio....
Quando as costas começaram a doer por causa da posição, ela pensou em se levantar. Era hoje o dia da entrega do prêmio Nobel, a final da Copa do Mundo, o seu casamento, o batismo de sua afilhada, a festa do ano, o último dia antes do mundo acabar, o aniversário de sua tia, o pagamento da diarista, a eleição pra presidente – não, o segundo golpe militar. Era o sábado de todas as coisas, e ela mal conseguia esticar a mão para bater a cinza do cigarro.Sentou na cama e depois ficou de pé; caminhou até a sala e lá ficou olhando os rostos conhecidos das fotografias antigas. Havia um monte delas na cortiça da parede: algumas daquelas pessoas haviam desaparecido de sua vida e não faziam a mínima falta, outras estavam para desaparecer apesar de muito presentes no seu cotidiano e umas poucas resistiam bravamente ao desgaste da convivência de anos. Ela já teve o cabelo longo, curto, preto, vermelho, e agora estava ficando com alguns fios brancos. Sem sombra de dúvida estava melhor agora do que antes. Podia se considerar uma adulta, controladora de seu próprio destino, realizadora dos seus sonhos, senhora de seus desejos. Mas a angústia... a angústia... a angústia...
Amanhã seria domingo e, depois, mais uma segunda. E os dias estavam pingando, e as horas vinham rápidas, e o prazer passava longe, mas ficava perto o suficiente para que ela soubesse que ele existe, mas está fora de alcance. Ainda havia uma pilha de livros pra ler. Ela estava curiosa quanto a alguns títulos, mas não começava um novo enquanto não terminasse o começado. Era um método. Pensou que foi dessa maneira que havia se tornado uma adulta: passo a passo, metodicamente, com segurança, mesmo achando tudo aquilo uma palhaçada.
Há dois fins de semana atrás, ela estava bebendo Gin Tônica e cheirando pó com meninas magras e amigos interessantes. No dia seguinte acordou de ressaca, mas levantou e foi andar. Há um fim de semana atrás, ela estava bebendo Caipirinha e de novo cheirando pó, mas já não era a Mulher Maravilha, e as meninas eram todas anoréxicas, e os amigos eram todos artistas sem talento que falavam de Nova Iorque como se fosse ali na esquina. Hoje era mais um fim de semana e ela sentou no sofá e, sem saber por quê, começou a chorar compulsivamente, quase vomitando de tanto soluçar. Queria levantar e preparar o café, para, quem sabe, encontrar pessoas em algum lugar da sua nova cidade. Mas o descontrole... o descontrole... o descontrole...

0 Comments:

Post a Comment

<< Home