Monday, March 20, 2006

Faxina

Definitivamente, mudanças precisam ser feitas do lado de dentro. O vento não circula com facilidade, os móveis estão velhos e mofados, e o estofado dos sofás acumula anos e anos de poeiras-mágoas, que acabam escondendo o estampado do tecido. Aqui dentro, o ar viciado entope os pulmões, já meio cinzas de fumaça de cigarro, e pelo chão do meu cérebro jazem palavras soltas e livros e letras de músicas infantis. Ocupam um espaço precioso nas minhas recordações.

Acaba que eu não consigo lembrar do nome de quem me foi apresentado ontem. Lembro apenas do rosto – ainda conservo uma boa memória fotográfica. Os retratos ficam pendurados nas paredes, mas o título das obras é sempre inexistente. Acaba que encontro com esses conhecidos – anônimos e eles vêm falar comigo me chamando pelo nome, e eu tento cutucar cada canto escuro da sala interna à procura de suas identificações.

Saber que algo precisa mudar é muito fácil; mas a mudança a ser feita é um pesadelo que me tira o sono. Não sei se deixo as janelas da minha sala bem abertas, pra deixar o sol entrar. Tenho medo de que comece a chover e os meus puídos tapetes persas, herdados da vovó, fiquem arruinados. Seria a destruição definitiva para eles.

Também acho que as almofadas ficariam melhor se afastadas da porta, mas receio que, uma vez liberada a entrada, isso aqui vire a casa da mãe Joana. Os visitantes chutariam a minha mesa de centro em forma de coração e beberiam toda a água da geladeira. É certo que os poucos que vieram aqui provocaram estragos muito maiores. Mas alguém pode me dizer como se faz para selecionar melhor os convidados?

Por enquanto, nenhuma festa. Por enquanto, fechado para balanço. Tem gente batendo à porta, mas eu me recuso a abrir. Seguro os retratos sem nome - pronto para jogá-los pela janela - mas me falta coragem. Penso em arrastar a cama e trocar o piso, mas isso daria um trabalho que, talvez, vá me consumir muito tempo. O que eu preciso é de um decorador de interiores. Pelo visto, vou ter que procurar nas páginas amarelas.

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