Monday, March 27, 2006

Ele chega

O clima hoje é o seguinte: sorrisinhos amarelos esparsos, silêncio, um sono terrível e muita ressaca. Assim começa o meu dia. Depois de ter ido dormir à seis da manhã, com a convicção absoluta de que não existe final feliz, acordo às nove horário que já deveria estar na empresa. São três horas de sono; eu fiz as contas. Decido que só um calorzinho vai me embalar de novo e me meto em um banho quente, rápido: preciso chegar antes do meu chefe. A sensação é de ressaca moral total. Por que eu me sinto tão mal por chegar às seis da manhã? Voltar pra casa com o sol a pino dói. Na saída da boite acelero o carro ao máximo e olho pro asfalto somente para as faixas brancas com medo de levantar os olhos e dar de cara com o Sol.


Depois do banho, coloquei uma blusa que não precisava sequer passar, óculos escuros e me mandei pro trabalho. Em vez do calorzinho do banho já suava e liguei o ar condicionado do carro no máximo. Efeitos dos psicotrópicos da noite. Cheguei. Desejar bom dia aos que já estavam doeu minha cabeça. Sentei e fiquei quietinho. Rezando pra ninguém falar comigo. Quase desapareço atrás do monitor.

Ontem, no auge da minha tristeza, eu rezei. Demorei um pouco pra lembrar como é Pai Nosso e Ave Maria, já que declaro aos quatro ventos que sou ateu. Mas tenho até certa fé em São Sebastião. Eu adoro me contradizer. E rezei pra ver se acalmava e conseguia dormir; mas acontece que todos os pensamentos voltavam e eu ficava fritando de raiva, dor e decepção comigo mesmo por fazer aquilo. O certo social seria ter assistido ao Fantástico e dormir. Eu também desejei estar no colo da minha mãe, da minha avó. Nada, nada: cegueira escolhida é foda.

Insisto em dizer que quero mudar. Mas é meio difícil encontrar gente que acredita nisso e dá força pra continuar. Queria não ser tão boboca a ponto de desejar o bem pra todo mundo e não ter ninguém redirecionando o bem pra mim. O bem tinha que bater e voltar, que nem me ensinaram, nos tempos em que eu estudei em colégio católico. Mas eu ainda estou aqui esperando. Tô aqui olhando pro relógio. Continuo parado, colocando o peso do corpo cada hora em uma perna, impaciente e de saco cheio. Não me dou bem com atrasos.

Friday, March 24, 2006

Sua vida

Ele chega em casa de saco cheio do mundo, se joga no sofá e toca uma punheta. Só pra ver se o humor melhora, ou se ele se esquece um pouco de tudo aquilo. Começa lembrando de uma menina, depois de outra, depois de ninguém especificamente: pega todas as melhores características de cada uma e junta tudo numa só. A deusa. Hoje de manhã tinha passado um email pra uma de suas garotinhas mandando ela ir pro inferno, e ela tinha respondido em um tom preocupado: o que está acontecendo com você? Você está triste? Estou tão preocupada.

No caminho de casa pra o trabalho ele fica olhando as pessoas. As mulheres. Pra passar o tempo. Obviamente o tempo não passa mais como antes, mas ele pelo menos pode catalogar o melhor daquelas mulheres e depois usar na próxima vez que se masturbar.

Não é raiva que o deixa assim, é um medo ridículo – o tipo de medo que as crianças têm quando está escuro. Ele diz que não quer ninguém mas da última vez que ela esteve lá tinha sido ótimo, um paraíso: ele até acreditou que estava apaixonado. Agora ele tecnicamente não tem mais ninguém, e consegue afastar as amiguinhas sem maiores explicações. Seria engraçado se ela dissesse: You go to hell, sucker! Mas ela nunca diria isso, em toda a sua meiguice cristã.

Ontem à noite ele estava satisfeito porque mandou uma colega de trabalho baixar o tom de voz quando estivesse se dirigindo a ele. Ela olhou entre desconfiado e perplexa, mas no final optou por não dizer mais nada e virar as costas. Foi uma glória. Mas uma glória muito rápida, porque agora ele já não acha que aquilo sirva de porra nenhuma para a sua vida. É que muita coisa está errada e nada acontece e é tão enlouquecedor esse estado de revolta paralisada.

Como as criancinhas que têm medo de escuro, ele acende sua raiva acreditando que assim estará protegido dos monstros. Não percebe que monstro interior é bem pior. Que come por dentro. Talvez ele precise de uma dose dupla de Gin Tônica pura uma vez ou outra. Quem sabe ele precisa entender que o problema é todo dele, e só dele. Ou talvez ele esteja mesmo necessitando é de uma viagem pra Cuba. Pra descansar nas águas transparentes de Fidel.

Monday, March 20, 2006

Faxina

Definitivamente, mudanças precisam ser feitas do lado de dentro. O vento não circula com facilidade, os móveis estão velhos e mofados, e o estofado dos sofás acumula anos e anos de poeiras-mágoas, que acabam escondendo o estampado do tecido. Aqui dentro, o ar viciado entope os pulmões, já meio cinzas de fumaça de cigarro, e pelo chão do meu cérebro jazem palavras soltas e livros e letras de músicas infantis. Ocupam um espaço precioso nas minhas recordações.

Acaba que eu não consigo lembrar do nome de quem me foi apresentado ontem. Lembro apenas do rosto – ainda conservo uma boa memória fotográfica. Os retratos ficam pendurados nas paredes, mas o título das obras é sempre inexistente. Acaba que encontro com esses conhecidos – anônimos e eles vêm falar comigo me chamando pelo nome, e eu tento cutucar cada canto escuro da sala interna à procura de suas identificações.

Saber que algo precisa mudar é muito fácil; mas a mudança a ser feita é um pesadelo que me tira o sono. Não sei se deixo as janelas da minha sala bem abertas, pra deixar o sol entrar. Tenho medo de que comece a chover e os meus puídos tapetes persas, herdados da vovó, fiquem arruinados. Seria a destruição definitiva para eles.

Também acho que as almofadas ficariam melhor se afastadas da porta, mas receio que, uma vez liberada a entrada, isso aqui vire a casa da mãe Joana. Os visitantes chutariam a minha mesa de centro em forma de coração e beberiam toda a água da geladeira. É certo que os poucos que vieram aqui provocaram estragos muito maiores. Mas alguém pode me dizer como se faz para selecionar melhor os convidados?

Por enquanto, nenhuma festa. Por enquanto, fechado para balanço. Tem gente batendo à porta, mas eu me recuso a abrir. Seguro os retratos sem nome - pronto para jogá-los pela janela - mas me falta coragem. Penso em arrastar a cama e trocar o piso, mas isso daria um trabalho que, talvez, vá me consumir muito tempo. O que eu preciso é de um decorador de interiores. Pelo visto, vou ter que procurar nas páginas amarelas.

Wednesday, March 15, 2006

Crise

Ela levantou cedo e foi até a janela para ver como estava o tempo. Abriu a janela e constatou que fazia sol e que deveria estar um calor danado do lado de fora, mas não foi por isso que voltou a se deitar. Ainda com o quarto todo fechado acendeu um cigarro, foi até a sala e ligou o som. Estendia a mão para bater a cinza e voltava a tragar sem grande entusiasmo, somente pela obrigação de fumar de manhã. Fixava um ponto na parede pensando no que tinha para fazer e ficou irritada ao descobrir que não havia nada. Era sábado, o sol estava muito forte, a sua conta bancária tinha o suficiente, mas não ideal. E também, nada para fazer. Tinha vinte e nove anos, um carro uma casa – e, ainda assim, nada para fazer. Talvez os amigos começariam a ligar em breve, chamando para programas não tão variados quanto na sua cidade natal, porém, variados. Mas o tédio... o tédio.... o tédio....
Quando as costas começaram a doer por causa da posição, ela pensou em se levantar. Era hoje o dia da entrega do prêmio Nobel, a final da Copa do Mundo, o seu casamento, o batismo de sua afilhada, a festa do ano, o último dia antes do mundo acabar, o aniversário de sua tia, o pagamento da diarista, a eleição pra presidente – não, o segundo golpe militar. Era o sábado de todas as coisas, e ela mal conseguia esticar a mão para bater a cinza do cigarro.Sentou na cama e depois ficou de pé; caminhou até a sala e lá ficou olhando os rostos conhecidos das fotografias antigas. Havia um monte delas na cortiça da parede: algumas daquelas pessoas haviam desaparecido de sua vida e não faziam a mínima falta, outras estavam para desaparecer apesar de muito presentes no seu cotidiano e umas poucas resistiam bravamente ao desgaste da convivência de anos. Ela já teve o cabelo longo, curto, preto, vermelho, e agora estava ficando com alguns fios brancos. Sem sombra de dúvida estava melhor agora do que antes. Podia se considerar uma adulta, controladora de seu próprio destino, realizadora dos seus sonhos, senhora de seus desejos. Mas a angústia... a angústia... a angústia...
Amanhã seria domingo e, depois, mais uma segunda. E os dias estavam pingando, e as horas vinham rápidas, e o prazer passava longe, mas ficava perto o suficiente para que ela soubesse que ele existe, mas está fora de alcance. Ainda havia uma pilha de livros pra ler. Ela estava curiosa quanto a alguns títulos, mas não começava um novo enquanto não terminasse o começado. Era um método. Pensou que foi dessa maneira que havia se tornado uma adulta: passo a passo, metodicamente, com segurança, mesmo achando tudo aquilo uma palhaçada.
Há dois fins de semana atrás, ela estava bebendo Gin Tônica e cheirando pó com meninas magras e amigos interessantes. No dia seguinte acordou de ressaca, mas levantou e foi andar. Há um fim de semana atrás, ela estava bebendo Caipirinha e de novo cheirando pó, mas já não era a Mulher Maravilha, e as meninas eram todas anoréxicas, e os amigos eram todos artistas sem talento que falavam de Nova Iorque como se fosse ali na esquina. Hoje era mais um fim de semana e ela sentou no sofá e, sem saber por quê, começou a chorar compulsivamente, quase vomitando de tanto soluçar. Queria levantar e preparar o café, para, quem sabe, encontrar pessoas em algum lugar da sua nova cidade. Mas o descontrole... o descontrole... o descontrole...

Sunday, March 12, 2006

Reação

A certeza de ter que reagir já era clara, porém agora tornou-se real, inadiável.
Da mesma forma que preciso da água é hora de saber o que gosto, de quem gosto, o que tenho, o que quero, do que abrir mão, quais sentimentos desfazer-me...

Friday, March 10, 2006

Observatório

Vi num fotolog o trecho abaixo e roubei por traduzir em plenitude meus desejos atuais...
"... Os dois ali, sentados, observando a aloinha da blusa caindo por entre os ombros. - Mais uma, grita para o garçom. Cordão de ouro, camisa amarela, a barriga saliente de cerveja. Típico malandro. O da esquerda de cabelos grisalhos, relógio de prata, não consegue parar de mexer a perna por causa do tesão. O vento invado o ambiente, o bico do seio estala, "que peitinho", pensa.Dá pra imaginar a estética, o formato, a cor do bico. - Hoje vai valer à pena a punheta! ... "

Monday, March 06, 2006

Ontem eu surtei

Há muito tempo eu tenho estado mal. Angustiado, inquieto, sentindo falta de não sei o quê. Imaginava que fosse reflexo dos novos desafios de Campinas.
Não sei direito se foram todas as mudanças nos últimos meses ou só as circunstâncias como um todo, mas eu andava desiquilibrado.

E ontem, bateu o ápice desse desequilíbrio. Repentino, intenso, que literalmente me derrubou no chão do banheiro. Imóvel, por tempo indeterminado embaixo daágua que quase queima, mas de certa forma alivia, por trazer de volta a sensação de existência física.

E é difícil determinar um sentimento, porque na verdade foram vários. Esse momento não foi encarado de forma negativa, mas é um peso que poucas pessoas poderiam entender.

Não, não aconteceu nada que já não acontecera, mas foi o auge de um sentimento de irritação consequentes de um conjunto de tudo errado e busca do prazer impossível.

Choro convulsivo, desesperado, e que alivia. E depois dessa purificação de fluidos, mais introspectivo. Encolhido num canto, contemplando as sensações...

Thursday, March 02, 2006

Apego

Por algum estranho motivo, tenho apego às pessoas. Tenho dificuldade de abandonar no primeiro momento que surge a dúvida de que o que estar por vir é furada, cortar possíveis investidas que certamente serão frustrantes. Mesmo que eu não conheça o suficiente, eu acabo ficando nostálgico de coisas não vividas.

Recentemente conheci alguém que me fez ter sentimentos. Foi tão rápido! Tão intenso. E de alguma forma bizarra, eu me apeguei.

Sinto falta em poucas horas. A voz, as idéias, até o cheiro... E apesar de compreender toda a situação, meu sentimento de saudade é muito presente, mesmo tendo acabado de deixá-lo em casa. E me sinto um pouco lúcido por ter a certeza da loucura que isso é.

Vejo que o apego é conseqüência de uma necessidade de não sei definitivamente porquê tenho de descobrir pessoas. E apesar de ter passado um tempo que a cada dia fica muito claro que não vai dar em nada, a intensidade do sentimento não muda.

Fico triste, por não poder fazer mais nada, além de respeitar meu timming. E não sei se esse négócio de não desligamento é muito saudável. Ou se simplesmente as pessoas acham simples o descartável e eu não.

Lágrimas não me vêem. Mas um sufocamento solitário sim. Às vezes eu não queria tantos sentimentos intensos.

Quem sou eu

Pessoa que nunca se protegera, e caíra de todas as maneiras possíveis, o que me fez colecionar um bom número de feridas, a maior parte delas metafórica. Mas como me divertira. Reconhecido profissionalmente, não estou dentro dos padrões de beleza estabelecidos portanto não sou bonito e nas poucas vezes que ouvi “eu te amo” não acreditei, porque não era mesmo para acreditar. Pai e mãe separados, sendo minha mãe exemplo de mulher e ser humano, uma avó linda, uma irmã embora bem nova mas já vencedora, uma amiga verdadeira e muitos amigos simpáticos mas hoje que estou longe percebi que quase todos estão voltados para o seu umbigo, e namorados que não ficaram o suficiente pra compreender que grande homem eu sou.
Quem eu amo afinal? Aí é que está. Não preciso mais me fazer esta pergunta. To me lixando para este tipo de amor que costuma vir embrulhado em papel de bombom. Foda-se a cartilha da felicidade.
Expansivo, festivo. Tiro o prazer de coisas minúsculas. Possuo o olhar crítico dos céticos, e o bom humor deles também. Matriculo-me em cursos de inglês, academias, em workshops: assisto sempre somente as primeiras aulas, falto o resto e não me cobro por ser assim tão impetuoso e pouco persistente.
Gosto de conversar com gente estranha, gente de longe. Aprecio de verdade as pessoas. Meus grandes momentos sugem desfocados em minha mente e acredito que assim devam-se manter. Rápidos flashes de emoções sem explicação racional, instantes de plenitude vindos do nada, conexões estabelecidas comigo mesmo, em que é possível atestar: que bom ser o que sou, um fulano desobrigado de posturas. Ser anônimo compensa. E ainda tenho a sorte de sorrir sem a ajuda dos lábios, sem mostrar os dentes, sorrir internamente sem que ninguém venha me perguntar: qual é a graça? A graça é fazer parte deste circo, às vezes, e não fazer parte, em outras ou não se sentir parte dele em muitas.
Vá explicar isso para quem acredita que a felicidade se constrói com narrativa exatas e cronológicas.